O que sobra entre a rua e o prédio
*texto publicado no jornal O Povo em 11/4/13
Muito além de pensar apenas os meios de locomoção das pessoas, a mobilidade urbana pode facilitar a democratização do espaço ou aumentar a segregação de uma cidade. Quanto mais prioritário for o uso do carro, maiores serão os problemas de trânsito e de segregação espacial. Um raciocínio bastante usado pelos planejadores urbanos hoje em dia é “se você planeja sua cidade pensando nos carros, você vai ter uma cidade cheia de carros. Mas se você planeja sua cidade pensando nas pessoas, você vai ter uma cidade cheia de pessoas”. Isso é muito revelador se pensarmos que a grande maioria dos espaços públicos da nossa cidade é formada por ruas. Estas são feitas principalmente para passar carros. Ou seja, temos pouquíssimos espaços na cidade pensados para o tráfego de pessoas. Será justo e democrático haver tanto espaço público na cidade voltado para o uso do carro?
Dentro dessa lógica, podemos concluir que o caminhar é o meio de transporte mais democrático, pois é a forma de deslocamento básica do ser humano. Se as calçadas são a infraestrutura que dá suporte para a caminhada, deveriam, portanto, ter total prioridade de investimentos do poder público. Se bem projetadas de acordo com as normas de acessibilidade, incluem ainda o deslocamento de portadores de necessidades especiais de maneira confortável. Infelizmente, hoje as calçadas são tratadas apenas como o que sobra entre a rua e o prédio.
O planejamento urbano para Fortaleza deveria ser pensado a partir de suas calçadas. Isso possibilitaria conseguir uma relação mais harmoniosa entre espaços públicos e privados, visto que a calçada é o primeiro mediador entre estas duas esferas. Além disso, os benefícios de uma cidade pensada para o pedestre são enormes. Quanto mais gente nas ruas, mais segura, mais viva e mais atrativa é a cidade. Quanto menos carros nas ruas, menor o número de acidentes de trânsito, de poluição, de barulho, de estresse, etc. A caminhada melhora a qualidade de vida das pessoas e uma cidade pensada a partir de suas calçadas se torna mais pública e coletiva, onde as pessoas convivem mais harmoniosamente e desenvolvem um senso maior de cidadania e pertencimento.
É claro que as calçadas não resolvem os problemas dos grandes deslocamentos. Sua integração com vias exclusivas de ônibus, ciclovias e metrôs se faz necessária. Mas mesmo para esses meios de transporte, as calçadas são complementares, pois existe um deslocamento a pé até o veículo que a pessoa vai utilizar.
É importante lembrar que fazer boas calçadas é algo muito maior do que reformar e padronizar seu piso. Precisamos de calçadas largas, bem mantidas, com faixas de livre passagem para pedestre, desobstruídas de postes e bancas de revistas, bastante arborizadas para criar sombras e com pequenas áreas de estar e descanso. Mas como conseguir dinheiro e espaço para tudo isso? É preciso que o poder público se ocupe menos com soluções para os problemas de engarrafamento dos carros. Dinheiro público é pra ser investido em meios de transporte democráticos e não para dar satisfação para uma classe média individualista, contribuindo para uma cidade cada vez mais apartada.
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Bruno Perdigão